"Gaspar Castelo-Branco – foi decidido esquecê-lo
Com este título, o hoje moribundo jornal “O Semanário”, nomeava GasparCastelo-Branco como a figura nacional do ano de 1986.Era Director-Geral dos Serviços Prisionais quando, a 15 de Fevereiro de1986, véspera da segunda volta das eleições presidenciais, foi assassinadopelas FP-25 Abril com dois tiros na nuca. Foi o mais alto cargo dirigentedo Estado a ser vítima de um brutal e cobarde ataque no pleno exercício dassuas funções.Nessa altura, os terroristas das FP-25A, por excesso de tolerância edecisão política, estavam em regime de cela aberta e misturados com presosde delito comum. Após a fuga de um grupo dos mais perigosos terroristas daPenitenciária de Lisboa, em Setembro de 1985, impôs medidas e condiçõesduras de isolamento e separação entre reclusos. Estas eram contestadaspelos terroristas com uma pretensa “greve da fome”. Não cedeu. “Em paísesocidentais os governos não cedem às greves da fome e pouca importância lhesdão” dizia. Mas por cá, era constantemente pressionado pela ComissãoParlamentar de Direitos Liberdades e Garantias, em particular por algunsdeputados socialistas, bem como alguns movimentos cívicos de duvidosaparcialidade, mas que obtinham ainda assim algum eco na imprensa.Perante as críticas da comunicação social e dos ditos movimentos, oMinistro da tutela, Mário Raposo, declinava responsabilidadesencaminhando-as para o seu director-geral, como se a orientação deste nãofosse tomada de acordo com o próprio Ministro. O culpado seria oDirector-Geral. Perante a demissão dos seus superiores hierárquicos e osilêncio imposto pelo governo, Gaspar Castelo-Branco assumiu asresponsabilidades, que verdadeiramente não lhe cabiam, em circunstânciasparticularmente difíceis. Só isso fazia sentido: por personalidade era umhomem corajoso e frontal com um enorme sentido do dever e do bem público.Tornou-se o bode expiatório e pagou-o com a vida.O Governo acobardou-se e quinze dias após o seu brutal assassinato, ospresos retomaram a cela aberta durante o dia, apenas fechada durante anoite. Conforme escreveu na altura José Miguel Júdice, parecia que afinal oassassinato teve uma justificação e uma razão de ser.A partir desse dia, o País apercebeu-se que o terrorismo era uma ameaçareal. Nos dias seguintes, Cavaco Silva, então primeiro-ministro, mudou-secom a família para a residência oficial em São Bento. Todos os ministros,sem excepção, passaram a andar com guarda-costas e escoltados por váriosseguranças pessoais. Os juízes e procuradores do processo FP-25A passaram aser guardados dia e noite, pernoitando, às vezes, em locais alternados esempre secretos.Apesar disso o Presidente da República em exercício Ramalho Eanes ou o recém-eleito Mário Soares não estiveram presentes no enterro tal como faltou o primeiro-ministro Cavaco Silva. Não houve um gesto visível deapoio público à vítima pelos seus superiores hierárquicos e membros dosórgãos de soberania. Curiosamente, nesse mesmo mês, na vizinha Espanha, umagente da Guardia Civil era assassinado pela ETA. O seu funeral teve honrasde estado e contou com a presença de Felipe Gonzalez e Juan Carlos.“Se me derem um tiro, como reagirão os defensores dos direitos humanos, os mesmos que pretendem condições mais brandas para os terroristas?” -afirmava numa entrevista a um jornal 15 dias antes de morrer. A verdade, éque a sua profecia se realizou e não houve um único acto de repúdio públicoaos ditos movimentos.Em Outubro do mesmo ano começava o julgamento da organização. O maiorfracasso do Estado de Direito do Portugal democrático. Não conseguiucondenar quem contra ele atentou.Mário Soares, com uma visão muito própria sobre a justiça, preferiuprimeiro indultar e depois amnistiar as FP-25A com total passividade dogoverno PSD. Preferiu cumprimentar Otelo Saraiva de Carvalho após a suasaída da prisão e recusou uma legítima condecoração, proposta pelo governo,para o mais alto funcionário do Estado a cair no cumprimento do seu deverno Portugal democrático. Para ele, as vitimas e as suas famílias eram umpormenor desagradável num processo que queria resolver politicamente.O tempo pode atenuar a dor de um filho, mas não apaga a vergonha que o Paíssente por não ter sido feita justiça: os assassinos não cumpriram a pena,apesar de julgados e condenados em tribunal, e as vítimas foram esquecidas.[Manuel Castelo-Branco]"
http://oacidental.blogspot.com/2006/02/gaspar-castelo-branco-foi-decidido.html
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