*MUITOGROSSOpoucofinoANTITUDOcontranada* Um blogue de criticas existenciais
e existêncialistas...,
e outras coisas mais,
que podem cheirar muito mal,
e saber bem pior!
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As situações de refugiados são provocadas e perpetuadas pela violência. Quando o conflito armado e as violações dos direitos humanos terminam, os refugiados mostram-se geralmente desejosos de regressar ao seu próprio país e comunidades.
Mas em qualquer situação de refugiados, a dimensão do desenvolvimento perdura muito tempo após o regresso dos exilados. Por um lado, como explicava o ponto anterior, os países de asilo poderão ter que sofrer durante anos - se não indefinidamente - a degradação ambiental provocada pela presença de uma população de refugiados numerosa. Por outro lado, quando finalmente o seu repatriamento se torna possível, as populações deslocadas regressam normalmente a sociedades destruídas por anos de guerra e de declínio económico.
A assistência ao repatriamento - as origens da nova abordagem
Durante muitos anos, o ACNUR forneceu um pacote de assistência muito modesto - um cabaz alimentar que deveria durar até às próximas colheitas, alguns materiais de produção agrícola, nomeadamente sementes e alfaias e um sortido de materiais de construção e utilidades domésticas - aos refugiados que regressavam ao seu país. Ocasionalmente, a organização também apoiava a criação de mecanismos de crédito, projectos geradores de rendimento e programas de reabilitação de curto prazo, nas regiões onde os refugiados se reinstalavam. Mas, de forma geral, a reintegração era considerada uma responsabilidade dos próprios retornados e do seu governo. De acordo com a sua abordagem tradicional, especificamente orientada para os refugiados, o interesse do ACNUR em relação aos beneficiários da sua acção cessava logo que estes atravessassem a fronteira e reiniciassem a vida no seu país.
Ao longo dos últimos anos, esta abordagem do repatriamento voluntário foi posta em questão por um conjunto de diferentes tendências.
Em primeiro lugar, o número de refugiados que regressaram a casa aumentou muito rapidamente. Desde 1990, a resolução de conflitos armados em países como o Camboja, El Salvador, Eritreia, Moçambique e Nicarágua, conjugada com oportunidades de repatriamento em países como o Afeganistão, Iraque, Somália e Sri Lanka, permitiram que cerca de nove milhões de refugiados pudessem regressar. O número correspondente de repatriamentos, durante os cinco anos anteriores, foi de cerca de 1,2 milhões.
Em segundo lugar, tal como se demonstra pela lista de países acima referidos, os recentes movimentos de repatriamento envolveram alguns dos países mais pobres do mundo. Os países para onde os refugiados regressam encontram-se, frequentemente, devastados - povoações arrasadas, pontes destruídas, minas e campos minados, sistemas de irrigação destruídos, escolas, postos de saúde e outras infraestruturas públicas arruinadas.
O repatriamento de refugiados, da Somália para a Etiópia, ocorrido em 1992, é um exemplo típico. De acordo com um relatório que o ACNUR elaborou sobre este movimento, "a Etiópia encontrava-se num estado de grave desordem social. O anterior sistema de governo havia falhado e prevalecia uma situação de considerável incerteza, tensão social e desrespeito pela lei. A seca, grave e recorrente, contribuía para a séria escassez alimentar, afectando a generalidade da população. A continuação dos conflitos dava lugar a novas deslocações de população e situações de pobreza, dificultando, igualmente, as iniciativas de ajuda de emergência. Os esforços de desenvolvimento, nas regiões que acolhiam retornados, eram praticamente inexistentes. Para além do sofrimento causado à população local, estas condições dificultaram a reintegração dos retornados".
Em terceiro lugar, este relatório sugere que, dado o nível de devastação e perturbação social existentes em muitos países de origem, já não se pode presumir que as necessidades dos retornados sejam muito maiores do que aquelas que são sentidas por outros cidadãos afectados pela guerra e pela perda de oportunidades de desenvolvimento. Nalgumas situações - nomeadamente no caso do Camboja - existem elementos que sugerem que os retornados, que viveram durante muitos anos em campos de refugiados bem organizados são mais saudáveis, têm maiores rendimentos e um melhor nível de educação do que muitos dos seus compatriotas.
Nos países de origem, os retornados tendem actualmente a ser apenas um dos muitos grupos de pessoas que procuram alcançar uma vida mais pacífica e produtiva, após um conflito armado. Assim, por exemplo, em muitas regiões de Moçambique, uma única comunidade ou área geográfica poderá acolher não apenas retornados, mas também outras pessoas afectadas pela guerra - pessoas deslocadas internamente, "recuperados" (pessoas libertadas de zonas sob o controlo de forças rebeldes) e soldados desmobilizados (tanto do exército governamental como do exército rebelde). (ver caixa 4.4)
Em quarto e último lugar, a experiência recente tem demonstrado que os governos de sociedades devastadas pela guerra não se encontram, simplesmente, em posição de poder assumir toda a responsabilidade pela reintegração dos refugiados e outras populações deslocadas que regressam ao país. Por exemplo, na Somália, não existe um governo nacional. No Afeganistão, o governo central controla apenas uma pequena parte do território do país. No Camboja, as autoridades simplesmente não possuem nem a capacidade, nem recursos que lhes permitam apoiar, de forma significativa, a reintegração destas pessoas.
As agências de desenvolvimento não são capazes de preencher esta lacuna. Ao contrário das organizações vocacionadas para os refugiados e para ajuda de emergência, o trabalho das agências de desenvolvimento baseia-se, normalmente, em planos e programas de longo prazo, sendo-lhes difícil reagir a acontecimentos imprevisíveis,nomeadamente a movimentos de repatriamento. Por outro lado, estas agências têm, normalmente, revelado uma tendência para centrar a sua actividade em iniciativas de desenvolvimento de dimensões relativamente grandes e de longo prazo, levadas a cabo em estreita cooperação com os governos centrais, em vez de optarem por iniciativas mais imediatas, de menor dimensão e mais localizadas nas regiões para onde os retornados regressam.
Tendo em vista as circunstâncias acima descritas, a assistência muito modesta que o ACNUR tem tradicionalmente fornecido aos retornados - que já foi descrita como "uma panela e um aperto de mão" - é obviamente inadequada. Os refugiados que regressam ao seu próprio país e que, subsequentemente, descobrem que não conseguirão sobreviver, poderão tornar-se novamente dependentes da assistência humanitária.
Em alternativa, poderão ser obrigados a engrossar o fluxo de migrantes rurais que se desloca para as cidades, dando lugar a um dos problemas sociais mais difíceis com que se confrontam os países menos desenvolvidos. Em nenhum destes cenários se poderá afirmar que o repatriamento voluntário conduziu a uma solução verdadeira e duradoura para a situação dos refugiados.
O modelo tradicional de assistência, específicamente dirigida aos retornados, apresenta um conjunto de outras limitações. Ao favorecer um sector social prejudica o processo de reconciliação nacional, tão necessário em situações pós-conflito. Ao oferecer aos retornados um apoio de longo prazo tão reduzido, dá-lhes, na verdade, um reduzido incentivo para se decidirem pelo repatriamento, em particular no que diz respeito àqueles que têm uma vida relativamente estável no seu país de asilo. Ao concentrar a sua atenção nas necessidades de consumo imediatas dos retornados, em nada contribui para fornecer uma base para o processo de desenvolvimento, indispensáveis na prevenção de futuras crises e deslocações de população nos países de origem.
A abordagem que conjuga a assistência aos retornados e a ajuda ao desenvolvimento, formulada nos últimos anos pelo ACNUR, representa uma tentativa de resolver as limitações das anteriores estratégias de assistência e reintegração de retornados. Esta abordagem, frequentemente descrita como "apoio à reintegração", baseia-se em cinco princípios e pressupostos básicos:
o ACNUR é responsável pela prestação de assistência à reintegração de refugiados e não apenas pela organização do seu repatriamento; a reintegração bem sucedida de retornados e de outras pessoas deslocadas não é um processo automático, dependendo antes do reínicio de actividades de desenvolvimento sustentado nas regiões de origem; o apoio à reintegração é mais eficaz e equitativo quando é prestado à comunidade em sentido alargado, beneficiando toda a população da região onde os retornados se reinstalaram; o apoio à reintegração deve ser prestado de forma a desincentivar a dependência e contribuir para o desenvolvimento de competências e capacidades locais; para maximizar o seu impacto e sustentabilidade, deve ser estabelecido um bom interface entre a assistência de curto prazo, fornecida às regiões onde os retornados se tenham fixado e os programas de desenvolvimento de mais longo prazo, promovidos pelo país de acolhimento e pelas agências internacionais.
Projectos de Impacto Rápido
Os esforços do ACNUR para pôr estes princípios em prática têm-se centrado num tipo de assistência à reintegração conhecido por PIR - Projectos de Impacto Rápido. Os PIR são projectos simples e de pequena dimensão, que visam benefícios concretos, visíveis e imediatos para regiões onde se tenha reinstalado um número significativo de retornados e outras pessoas deslocadas. Inicialmente formulados na América Central, foram desde então alargados a países como o Camboja, Etiópia, Moçambique, Myanmar, Somália e Sri Lanka. Os PIR podem ser rapidamente implementados com um baixo custo e optimizam a utilização dos recursos, da mão-de-obra e das instituições locais. Embora se pretenda que os projectos beneficiem toda a comunidade, podem também ser dirigidos às necessidades de grupos específicos, nomeadamente de "mulheres chefes de família" ou "pessoas incapacitadas". Os PIR baseiam-se, normalmente, nas necessidades identificadas pelas próprias comunidades, mas são também seleccionados de acordo com a sua compatibilidade com outras iniciativas de desenvolvimento levadas a cabo na mesma região.
Em muitos sentidos, os PIR podem ser descritos nos mesmos termos utilizados pelo PNUD para definir o conceito do desenvolvimento humano: "a favor das pessoas, a favor do emprego, a favor da natureza e a favor das mulheres." Estas características encontram-se claramente exemplifi-cadas no programa de PIR levado a cabo na região nordeste do Sri Lanka, onde se encontram cerca de 700.000 retornados e pessoas deslocadas internamente.
Com um custo médio inferior a 10.000 dólares por projecto, os PIR têm incluído, nomeadamente, acções que visam equipar uma cooperativa de pescas com canoas e redes, a criação de bibliotecas escolares, a organização de cursos de formação profissional, a plantação de árvores em áreas afectadas pela desflorestação, a criação de um centro de artesanato para viúvas e mulheres solteiras, a aquisição de cabras para uma exploração pecuária, equipar centros de saúde com instalações de frio, a reconstrução de estradas e a perfuração de poços públicos. Como esta lista sugere, os PIR diferem largamente entre si em muitos aspectos, excepto em relação ao seu objectivo essencial - promover o regresso e reintegração de populações deslocadas.
A estratégia que conjuga o apoio aos refugiados e a ajuda ao desenvolvimento parece conseguir evitar os principais perigos subjacentes à anterior abordagem de apoio ao desenvolvimento dos refugiados. Pretende de forma inequívoca promover e consolidar a solução do repatriamento voluntário. Requer recursos modestos. Beneficia os países de origem (que têm um interesse político e económico no regresso e reintegração bem sucedidos dos refugiados), os países doadores (que mantêm o seu interesse na redução do número de refugiados necessitados de assistência internacional) e os países de asilo (geralmente desejosos de assistirem ao repatriamento dos refugiados).
No que respeita aos próprios retornados, os benefícios potenciais desta abordagem encontram-se bem descritos nos objectivos propostos pelo Ministro da Reconstrução do Sri Lanka para o seu programa de PIR: "criar um ambiente favorável, em que se viva sem medo, e construir as infra-estruturas sociais e económicas que permitam que os retornados possam retomar, com confiança, a sua vida normal."
Existem actualmente elementos suficientes que apontam no sentido de que estas promessas foram pelo menos parcialmente realizadas. Os PIR mereceram a aprovação generalizada dos governos e dos principais interessados e, tão importante como isso, atraíram um generoso apoio financeiro por parte dos países doadores. Simultaneamente, avaliações pormenorizadas de vários programas recentes de reintegração do ACNUR sugerem que estes podem contribuir, de forma muito positiva, para o processo de reintegração e reconciliação. Por exemplo, um relatório sobre os esforços de reintegração na Nicarágua, concluía que os resultados do programa incluiram:
a disponibilização de recursos que as comunidades necessitam urgentemente e que as estruturas governamentais são incapazes de oferecer. o apoio moral e motivação dos retornados que, desta forma, se sentem incentivados a permanecer nas áreas rurais onde se instalaram. a reconciliação e reintegração de grupos com interesses e alianças políticas diferentes; a revitalização da economia local através da formação e a criação de oportunidades de emprego ou geradoras de rendimento. Noutros lugares registaram-se resultados semelhantes. Por exemplo, uma análise do programa de reintegração do Camboja, observava que os PIR melhoraram o desempenho das regiões onde os retornados se instalaram, removendo algumas das limitações à produção e comercialização agrícolas, incentivando as comunidades a cederem terras à população retornada, e, ainda, apoiando os esforços do ACNUR, no sentido de verificar o bem-estar e segurança dos retornados.
Mais recentemente, uma análise das actividades do ACNUR na Somália concluiu que apesar do difícil ambiente operacional verificado naquele país, os PIR haviam alcançado, pelo menos, dois resultados fundamentais a seu favor: incentivaram o repatriamento de refugiados do Quénia, possibilitando o encerramento de vários campos de refugiados naquele país, e estabilizaram a população residente nalgumas regiões da Somália, prevenindo desta forma futuros movimentos de refugiados. Dada a indisfarçada relutância do Quénia em continuar a acolher refugiados somalis, poderíamos também concluir que os PIR ajudaram a prevenir uma potencial crise de protecção.
Reabilitação em situações de conflito
Apesar de ser claro que os PIR poderão contribuir de forma importante para o processo de reintegração de retornados, não podemos ignorar as suas limitações, nem as dificuldades práticas com que se confrontam.
Os PIR são apenas uma das formas possíveis de apoio à reintegração de retornados. Por exemplo, o auxílio alimentar e pacotes de assistência familiares, tradicionalmente fornecidos aos retornados pelo ACNUR, continuam a ser necessários a pessoas que regressam a casa, após terem vivido anos no estrangeiro, onde não conseguiram acumular quaisquer recursos.
Existem outras formas de apoio à reintegração dos refugiados, que podem ser prestadas antes destes abandonarem o país de asilo. Por exemplo, no Paquistão o ACNUR criou um mecanismo que permite aos refugiados afegãos trocarem os seus cartões familiares de racionamento por dinheiro, que servirá para pagar a viagem de regresso, bem como para adquirir materiais de construção e artigos domésticos de que irão necessitar para se reinstalarem no seu país de origem. Como indica a popularidade deste programa (até Julho de 1995, tinham sido trocados mais de 295.000 cartões de racionamento tinham sido trocados) o tipo específico de assistência, prestado em qualquer situação de retornados, deve ser sempre determinado de acordo com as necessidades e oportunidades locais e, obviamente, de acordo com a disponibilidade de fundos.
Outro assunto que necessita de maior aprofundamento diz respeito ao papel do apoio à reintegração nos casos em que os refugiados regressem a países onde não existe um governo central ou onde o conflito armado ainda se mantém. A recente experiência do ACNUR na Somália, por exemplo, sugere que estas situações poderão criar graves constrangimentos aos esforços de reabilitação.
Em primeiro lugar, poderão facilmente surgir problemas de acesso a regiões afectadas por combates e pelo banditismo. Por exemplo, no sul da Somália, o Programa PIR promovido pelo ACNUR teve que ser gerido a partir do Quénia, devido à insegurança prevalecente do outro lado da fronteira. Em muitas situações, o pessoal do ACNUR concluiu que era demasiado perigoso efectuar avaliações rigorosas das necessidades de reintegração em regiões onde se tinham fixado retornados e, numa ocasião, um grupo de funcionários esteve cercado, dentro de umas instalações, durante quatro dias, enquanto à sua volta decorriam confrontos entre facções armadas rivais.
Em segundo lugar, em situações caracterizadas pela carência e instabilidade, a introdução de novos recursos de desenvolvimento poderá provocar alguma agitação, em vez de promover a reconciliação. Como observava um relatório do ACNUR sobre o programa na Somália, "os PIR transformaram-se em mais um elemento de conflito entre as facções rivais. Apesar da realização de uma conferência de paz, os senhores da guerra não conseguiram estabelecer laços de cooperação. Em resultado, o ACNUR e outras agências são objecto de uma pressão constante das partes em confronto, desejosas de retirarem benefícios pessoais do programa de assistência."
Em terceiro lugar, como sugere o referido relatório, a ausência de qualquer perspectiva de segurança a longo prazo incentivou população somali a maximizar os resultados imediatos que podia retirar do programa de PIR, em vez de encarar os projectos como uma fonte sustentada de benefícios. "A operação do ACNUR", comenta o mesmo relatório, "é geralmente encarada pelos somalis como uma mera forma de obter dinheiro e bens comercializáveis". Num caso exemplar, o ACNUR descobriu que as bombas manuais que haviam sido instaladas, eram desmontadas e vendidas como sucata ou utilizadas para fabricar armas, em vez de servirem para abastecer as populações de água potável!
Em quarto lugar, embora os países doadores estejam muito interessados no repatriamento de populações de refugiados, alguns hesitam, naturalmente, quando chega o momento de financiar programas de reintegração em países afectados por conflitos armados. Em 1993 e 1994, os países doadores estavam preparados para assumir este risco. Por isso, contribuíram com mais de 13 milhões de dólares para o programa de PIR promovido pelo ACNUR. Porém, recentemente, a deterioração da situação na Somália, conjugada com a retirada das tropas das Nações Unidas e com as exigências concorrentes da situação de emergência do Ruanda, levaram a que estes países começassem a questionar se seria sensato investir recursos na Somália.
Não se pretende com isto sugerir que não são possíveis actividades de reconstrução em países afectados por conflitos e pela instabilidade. Por exemplo, no Afeganistão muitos projectos de desenvolvimento de pequena dimensão têm sido bem sucedidos, sobretudo em regiões onde foi alcançado um determinado nível de estabilidade política e social (ver Caixa 4.5). Na verdade, alguns funcionários de agências de ajuda ao desenvolvimento têm defendido que poderá ser mais fácil trabalhar com as populações locais e líderes das comunidades, nos casos em que a estrutura do Estado se tenha desmoronado.
Por outro lado, a ausência de governo não equivale à anarquia. Por exemplo, quando as forças de manutenção da paz das Nações Unidas se retiraram da Somália houve uma previsão generalizada de que os líderes e senhores da guerra locais transformariam o país num enorme campo de batalha. Contudo, em meados de 1995, este cenário não se havia ainda concretizado e as organizações que trabalhavam naquele país informaram que tinha sido iniciado, com sucesso, um conjunto de esforços de restauração da paz.
Rapidez e sustentabilidade
Uma última questão que tem sido levantada em relação aos PIR diz respeito à sua sustentabilidade e ao seu contributo para o processo de desenvolvimento de mais longo prazo das regiões onde os retornados se tenham instalado. Quando o ACNUR introduziu pela primeira vez esta abordagem alguns analistas afirmaram que o conceito era, em si mesmo, contraditório, argumentando que o desenvolvimento é, por definição, um processo demorado e, por isso, não podia ser alcançado nos primeiros um ou dois anos de duração de um programa de reintegração de refugiados promovido pelo ACNUR. O objectivo dos esforços de assistência pós-repatriamento, não deveriam, segundo sugeriam, ter um impacto rápido mas sim um impacto sustentado.
Contudo, para que os PIR alcancem o seu objectivo de consolidar o repatriamento voluntário, são necessárias tanto a rapidez, como a sustentabilidade. O elemento de rapidez é essencial porque não se pode esperar que comunidades carenciadas recebam um grande número de retornados sem que a sua capacidade de absorção seja imediatamente alargada. Simplificando, quando a população de uma região cresce muito rapidamente, também aumenta o nível de procura de serviços, nomeadamente de cuidados de saúde, educação, formação, transportes, bem como a utilização de recursos como a água, solos, sementes e alfaias. Se não for dada resposta a esse aumento da procura, um influxo de retornados pode provocar novas formas de pobreza, tensões sociais e movimentos migratórios.
A sustentabilidade é necessária porque a reintegração de refugiados não pode ser atingida da noite para o dia, nem poderá ser realizada de forma isolada em relação aos esforços, de mais longo prazo, de promoção da reconstrução de países afectados pela guerra. Por exemplo, é relativamente fácil construir uma ponte, uma escola ou limpar alguns terrenos agrícolas numa região onde se tenham instalado retornados. No entanto, é bastante mais difícil assegurar a manutenção dessa ponte, garantir que a escola tenha os professores necessários e as salas de aula sejam equipadas ou que um funcionário local não se aproprie de terrenos.
A tarefa da reintegração de refugiados e pessoas deslocadas constitui, assim, apenas um dos elementos de um esforço, muito mais amplo, de reconstrução de sociedades destruídas pela guerra. Trata-se, obviamente, de uma tarefa complexa que, em muitos aspectos, ultrapassa a competência do ACNUR e de outras organizações humanitárias.
Apenas como exemplo, numa recente reunião internacional sobre o Ruanda, concluiu-se que as necessidades de reabilitação do país incluem a formação de um sistema judicial independente e de uma força policial, o pagamento de salários às forças armadas nacionais, a reconstrução da rede eléctrica do país, a assistência de emergência a pessoas deslocadas internamente e aos refugiados que regressam a casa, o fornecimento de sementes e alfaias agrícolas a comunidades rurais, a compra de equipamento de escritório e veículos automóveis para departamentos governamentais; a resolução de diferendos quanto à titularidade das terras envolvendo retornados, bem como o apoio na regularização das obrigações perante o Banco Mundial. Para serem levadas a cabo de forma eficaz, estas tarefas devem ser prosseguidas, em simultâneo, e com um grau de urgência equivalente.
Até aqui, os esforços da comunidade internacional na área da reconstrução pós-conflito não se têm mostrado inteiramente bem sucedidos. De acordo com um projecto de investigação que analisa a experiência em países como o Camboja, El Salvador, Eritreia e Moçambique,"com demasiada frequência, grandes investimentos financeiros e humanos em processos de restauração da paz têm produzido resultados desanimadores".(1) Embora existam muitas causas diferentes para esta frustração (incluindo talvez algumas expectativas irrealistas, no que diz respeito ao papel da assistência internacional na reconstrução de sociedades destruídas pela guerra e a rapidez com que esta tarefa pode ser prosseguida), podemos identificar um conjunto de problemas comuns.
A recente eclosão de conflitos internos, em várias regiões do mundo, faz com que seja necessário abordar urgentemente estes problemas e formular estratégias mais eficazes para a tarefa da reconstrução pós-guerra.
A reconstrução pós-guerra
A tarefa da reconstrução em situações pós-conflito implica um conjunto de tarefas, pouco usuais e politicamente sensíveis, como a desmobilização, a desmilitarização e a desminagem. Como foi referido anteriormente, no Ruanda, foi largamente reconhecido que o restabelecimento do sistema judicial, a melhoria das condições nos estabelecimentos prisionais e o fornecimento de veículos automóveis e equipamento de escritório a departamentos governamentais constituiam necessidades urgentes, às quais não tem sido dada uma resposta suficientemente rápida, porque os doadores têm relutância em apoiar o governo de um país profundamente dividido e porque estas tarefas não encaixam, de forma clara. no mandato de nenhum organismo das Nações Unidas.
Nestas situações, é obviamente necessário um certo grau de pragmatismo e flexibilidade, como aliás ficou demonstrado quando as forças de manutenção da paz das Nações Unidas no Ruanda decidiram proceder à distribuição de testes, por todos os estudantes do país, tarefa que o Conselho de Segurança, evidentemente, não previra ao autorizar o envio daquela força. Ao mesmo tempo, quando os organismos das Nações Unidas solicitam aos países doadores, a disponibilização de recursos para a reabilitação, é necessário que estabeleçam um conjunto claro de prioridades. A apresentação de "listas de compras das agências", com pouca ou nenhuma indicação sobre as necessidades mais urgentes pode, facilmente, prejudicar a credibilidade de uma acção de angariação de fundos.
Com demasiada frequência, os países doadores e as organizações de ajuda humanitária concentram recursos em actividades de relativo curto prazo. Cessar-fogos e acordos de paz atraem com frequência uma assistência externa considerável, bem como actividades de grande visibilidade, como os programas de repatriamento. Por exemplo, durante a operação de paz das Nações Unidas no Camboja, dezenas de organizações humanitárias, com milhares de dólares à sua disposição, criaram programas na região ocidental do país, onde muitos dos refugiados pretendiam instalar-se. Mas noutras regiões, onde as necessidades económicas e sociais eram igualmente prementes, foram, em grande medida, negligenciadas pela ajuda externa.
Quando, num curto espaço de tempo, grandes quantidades de assistência externa são injectadas em países debilitados, existe a tendência inevitável das estruturas locais serem secundarizadas e prejudicadas. Na pressa de se estabelecerem programas e implementarem projectos as agências internacionais sentem que, muitas vezes, é mais fácil assumirem responsabilidade directa pelos programas, em vez de trabalharem em coordenação com as frágeis instituições locais. Ao mesmo tempo, ao oferecer salários e oportunidades de carreira, muito melhores do que os oferecidos por qualquer organismo nacional, as agências estrangeiras privam, muitas vezes, os departamentos governamentais e empresas locais do seu pessoal mais qualificado. Preocupados em não prejudicar as relações com os países doadores, os governos têm, muitas vezes, dificuldade em resistir a esta tendência. Em resultado, os actores locais, frequentemente, têm pouco ou nenhum peso na decisão sobre a assistência que o país recebe, as actividades a que essa assistência se destina e a forma como é gerida.
Finalmente, reconhece-se actualmente que a reconstrução pós-conflito é uma tarefa multifacetada, que requer uma acção coordenada nas áreas social, económica, política e militar. Mas as instituições financeiras internacionais, que desempenham um papel importante na determinação das políticas económicas dos países com baixos rendimentos e afectados por conflitos, não têm sido suficientemente envolvidas neste processo. Tal como se questiona agora um número, cada vez maior, de analistas conseguirão estes países gerir a tripla transição da guerra para a paz, da ditadura para a democracia e da economia centralizada para uma economia de mercado, sem sofrerem novas formas de conflito social e instabilidade política? Sem uma resposta satisfatória a esta questão existe um perigo real de que os países que lutam por ultrapassar os efeitos da guerra e recomeçar um processo de desenvolvimento se vejam, novamente, apanhados num ciclo de violência, pobreza e movimentos maciços de população.
P.WEISS FAGEN, 'The challenge of rebuilding war-torn societies: a bibliographic essay', War-torn Societies Project, United Nations Research Institute for Social Development, Geneva, p l.
1 comentário:
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A reconstrução de sociedades destroçadas
As situações de refugiados são provocadas e perpetuadas pela violência. Quando o conflito armado e as violações dos direitos humanos terminam, os refugiados mostram-se geralmente desejosos de regressar ao seu próprio país e comunidades.
Mas em qualquer situação de refugiados, a dimensão do desenvolvimento perdura muito tempo após o regresso dos exilados. Por um lado, como explicava o ponto anterior, os países de asilo poderão ter que sofrer durante anos - se não indefinidamente - a degradação ambiental provocada pela presença de uma população de refugiados numerosa. Por outro lado, quando finalmente o seu repatriamento se torna possível, as populações deslocadas regressam normalmente a sociedades destruídas por anos de guerra e de declínio económico.
A assistência ao repatriamento - as origens da nova abordagem
Durante muitos anos, o ACNUR forneceu um pacote de assistência muito modesto - um cabaz alimentar que deveria durar até às próximas colheitas, alguns materiais de produção agrícola, nomeadamente sementes e alfaias e um sortido de materiais de construção e utilidades domésticas - aos refugiados que regressavam ao seu país. Ocasionalmente, a organização também apoiava a criação de mecanismos de crédito, projectos geradores de rendimento e programas de reabilitação de curto prazo, nas regiões onde os refugiados se reinstalavam. Mas, de forma geral, a reintegração era considerada uma responsabilidade dos próprios retornados e do seu governo. De acordo com a sua abordagem tradicional, especificamente orientada para os refugiados, o interesse do ACNUR em relação aos beneficiários da sua acção cessava logo que estes atravessassem a fronteira e reiniciassem a vida no seu país.
Ao longo dos últimos anos, esta abordagem do repatriamento voluntário foi posta em questão por um conjunto de diferentes tendências.
Em primeiro lugar, o número de refugiados que regressaram a casa aumentou muito rapidamente. Desde 1990, a resolução de conflitos armados em países como o Camboja, El Salvador, Eritreia, Moçambique e Nicarágua, conjugada com oportunidades de repatriamento em países como o Afeganistão, Iraque, Somália e Sri Lanka, permitiram que cerca de nove milhões de refugiados pudessem regressar. O número correspondente de repatriamentos, durante os cinco anos anteriores, foi de cerca de 1,2 milhões.
Em segundo lugar, tal como se demonstra pela lista de países acima referidos, os recentes movimentos de repatriamento envolveram alguns dos países mais pobres do mundo. Os países para onde os refugiados regressam encontram-se, frequentemente, devastados - povoações arrasadas, pontes destruídas, minas e campos minados, sistemas de irrigação destruídos, escolas, postos de saúde e outras infraestruturas públicas arruinadas.
O repatriamento de refugiados, da Somália para a Etiópia, ocorrido em 1992, é um exemplo típico. De acordo com um relatório que o ACNUR elaborou sobre este movimento, "a Etiópia encontrava-se num estado de grave desordem social. O anterior sistema de governo havia falhado e prevalecia uma situação de considerável incerteza, tensão social e desrespeito pela lei. A seca, grave e recorrente, contribuía para a séria escassez alimentar, afectando a generalidade da população. A continuação dos conflitos dava lugar a novas deslocações de população e situações de pobreza, dificultando, igualmente, as iniciativas de ajuda de emergência. Os esforços de desenvolvimento, nas regiões que acolhiam retornados, eram praticamente inexistentes. Para além do sofrimento causado à população local, estas condições dificultaram a reintegração dos retornados".
Em terceiro lugar, este relatório sugere que, dado o nível de devastação e perturbação social existentes em muitos países de origem, já não se pode presumir que as necessidades dos retornados sejam muito maiores do que aquelas que são sentidas por outros cidadãos afectados pela guerra e pela perda de oportunidades de desenvolvimento. Nalgumas situações - nomeadamente no caso do Camboja - existem elementos que sugerem que os retornados, que viveram durante muitos anos em campos de refugiados bem organizados são mais saudáveis, têm maiores rendimentos e um melhor nível de educação do que muitos dos seus compatriotas.
Nos países de origem, os retornados tendem actualmente a ser apenas um dos muitos grupos de pessoas que procuram alcançar uma vida mais pacífica e produtiva, após um conflito armado. Assim, por exemplo, em muitas regiões de Moçambique, uma única comunidade ou área geográfica poderá acolher não apenas retornados, mas também outras pessoas afectadas pela guerra - pessoas deslocadas internamente, "recuperados" (pessoas libertadas de zonas sob o controlo de forças rebeldes) e soldados desmobilizados (tanto do exército governamental como do exército rebelde). (ver caixa 4.4)
Em quarto e último lugar, a experiência recente tem demonstrado que os governos de sociedades devastadas pela guerra não se encontram, simplesmente, em posição de poder assumir toda a responsabilidade pela reintegração dos refugiados e outras populações deslocadas que regressam ao país. Por exemplo, na Somália, não existe um governo nacional. No Afeganistão, o governo central controla apenas uma pequena parte do território do país. No Camboja, as autoridades simplesmente não possuem nem a capacidade, nem recursos que lhes permitam apoiar, de forma significativa, a reintegração destas pessoas.
As agências de desenvolvimento não são capazes de preencher esta lacuna. Ao contrário das organizações vocacionadas para os refugiados e para ajuda de emergência, o trabalho das agências de desenvolvimento baseia-se, normalmente, em planos e programas de longo prazo, sendo-lhes difícil reagir a acontecimentos imprevisíveis,nomeadamente a movimentos de repatriamento. Por outro lado, estas agências têm, normalmente, revelado uma tendência para centrar a sua actividade em iniciativas de desenvolvimento de dimensões relativamente grandes e de longo prazo, levadas a cabo em estreita cooperação com os governos centrais, em vez de optarem por iniciativas mais imediatas, de menor dimensão e mais localizadas nas regiões para onde os retornados regressam.
Tendo em vista as circunstâncias acima descritas, a assistência muito modesta que o ACNUR tem tradicionalmente fornecido aos retornados - que já foi descrita como "uma panela e um aperto de mão" - é obviamente inadequada. Os refugiados que regressam ao seu próprio país e que, subsequentemente, descobrem que não conseguirão sobreviver, poderão tornar-se novamente dependentes da assistência humanitária.
Em alternativa, poderão ser obrigados a engrossar o fluxo de migrantes rurais que se desloca para as cidades, dando lugar a um dos problemas sociais mais difíceis com que se confrontam os países menos desenvolvidos. Em nenhum destes cenários se poderá afirmar que o repatriamento voluntário conduziu a uma solução verdadeira e duradoura para a situação dos refugiados.
O modelo tradicional de assistência, específicamente dirigida aos retornados, apresenta um conjunto de outras limitações. Ao favorecer um sector social prejudica o processo de reconciliação nacional, tão necessário em situações pós-conflito. Ao oferecer aos retornados um apoio de longo prazo tão reduzido, dá-lhes, na verdade, um reduzido incentivo para se decidirem pelo repatriamento, em particular no que diz respeito àqueles que têm uma vida relativamente estável no seu país de asilo. Ao concentrar a sua atenção nas necessidades de consumo imediatas dos retornados, em nada contribui para fornecer uma base para o processo de desenvolvimento, indispensáveis na prevenção de futuras crises e deslocações de população nos países de origem.
A abordagem que conjuga a assistência aos retornados e a ajuda ao desenvolvimento, formulada nos últimos anos pelo ACNUR, representa uma tentativa de resolver as limitações das anteriores estratégias de assistência e reintegração de retornados. Esta abordagem, frequentemente descrita como "apoio à reintegração", baseia-se em cinco princípios e pressupostos básicos:
o ACNUR é responsável pela prestação de assistência à reintegração de refugiados e não apenas pela organização do seu repatriamento;
a reintegração bem sucedida de retornados e de outras pessoas deslocadas não é um processo automático, dependendo antes do reínicio de actividades de desenvolvimento sustentado nas regiões de origem;
o apoio à reintegração é mais eficaz e equitativo quando é prestado à comunidade em sentido alargado, beneficiando toda a população da região onde os retornados se reinstalaram;
o apoio à reintegração deve ser prestado de forma a desincentivar a dependência e contribuir para o desenvolvimento de competências e capacidades locais;
para maximizar o seu impacto e sustentabilidade, deve ser estabelecido um bom interface entre a assistência de curto prazo, fornecida às regiões onde os retornados se tenham fixado e os programas de desenvolvimento de mais longo prazo, promovidos pelo país de acolhimento e pelas agências internacionais.
Projectos de Impacto Rápido
Os esforços do ACNUR para pôr estes princípios em prática têm-se centrado num tipo de assistência à reintegração conhecido por PIR - Projectos de Impacto Rápido. Os PIR são projectos simples e de pequena dimensão, que visam benefícios concretos, visíveis e imediatos para regiões onde se tenha reinstalado um número significativo de retornados e outras pessoas deslocadas. Inicialmente formulados na América Central, foram desde então alargados a países como o Camboja, Etiópia, Moçambique, Myanmar, Somália e Sri Lanka. Os PIR podem ser rapidamente implementados com um baixo custo e optimizam a utilização dos recursos, da mão-de-obra e das instituições locais. Embora se pretenda que os projectos beneficiem toda a comunidade, podem também ser dirigidos às necessidades de grupos específicos, nomeadamente de "mulheres chefes de família" ou "pessoas incapacitadas". Os PIR baseiam-se, normalmente, nas necessidades identificadas pelas próprias comunidades, mas são também seleccionados de acordo com a sua compatibilidade com outras iniciativas de desenvolvimento levadas a cabo na mesma região.
Em muitos sentidos, os PIR podem ser descritos nos mesmos termos utilizados pelo PNUD para definir o conceito do desenvolvimento humano: "a favor das pessoas, a favor do emprego, a favor da natureza e a favor das mulheres." Estas características encontram-se claramente exemplifi-cadas no programa de PIR levado a cabo na região nordeste do Sri Lanka, onde se encontram cerca de 700.000 retornados e pessoas deslocadas internamente.
Com um custo médio inferior a 10.000 dólares por projecto, os PIR têm incluído, nomeadamente, acções que visam equipar uma cooperativa de pescas com canoas e redes, a criação de bibliotecas escolares, a organização de cursos de formação profissional, a plantação de árvores em áreas afectadas pela desflorestação, a criação de um centro de artesanato para viúvas e mulheres solteiras, a aquisição de cabras para uma exploração pecuária, equipar centros de saúde com instalações de frio, a reconstrução de estradas e a perfuração de poços públicos. Como esta lista sugere, os PIR diferem largamente entre si em muitos aspectos, excepto em relação ao seu objectivo essencial - promover o regresso e reintegração de populações deslocadas.
A estratégia que conjuga o apoio aos refugiados e a ajuda ao desenvolvimento parece conseguir evitar os principais perigos subjacentes à anterior abordagem de apoio ao desenvolvimento dos refugiados. Pretende de forma inequívoca promover e consolidar a solução do repatriamento voluntário. Requer recursos modestos. Beneficia os países de origem (que têm um interesse político e económico no regresso e reintegração bem sucedidos dos refugiados), os países doadores (que mantêm o seu interesse na redução do número de refugiados necessitados de assistência internacional) e os países de asilo (geralmente desejosos de assistirem ao repatriamento dos refugiados).
No que respeita aos próprios retornados, os benefícios potenciais desta abordagem encontram-se bem descritos nos objectivos propostos pelo Ministro da Reconstrução do Sri Lanka para o seu programa de PIR: "criar um ambiente favorável, em que se viva sem medo, e construir as infra-estruturas sociais e económicas que permitam que os retornados possam retomar, com confiança, a sua vida normal."
Existem actualmente elementos suficientes que apontam no sentido de que estas promessas foram pelo menos parcialmente realizadas. Os PIR mereceram a aprovação generalizada dos governos e dos principais interessados e, tão importante como isso, atraíram um generoso apoio financeiro por parte dos países doadores. Simultaneamente, avaliações pormenorizadas de vários programas recentes de reintegração do ACNUR sugerem que estes podem contribuir, de forma muito positiva, para o processo de reintegração e reconciliação. Por exemplo, um relatório sobre os esforços de reintegração na Nicarágua, concluía que os resultados do programa incluiram:
a disponibilização de recursos que as comunidades necessitam urgentemente e que as estruturas governamentais são incapazes de oferecer.
o apoio moral e motivação dos retornados que, desta forma, se sentem incentivados a permanecer nas áreas rurais onde se instalaram.
a reconciliação e reintegração de grupos com interesses e alianças políticas diferentes;
a revitalização da economia local através da formação e a criação de oportunidades de emprego ou geradoras de rendimento.
Noutros lugares registaram-se resultados semelhantes. Por exemplo, uma análise do programa de reintegração do Camboja, observava que os PIR melhoraram o desempenho das regiões onde os retornados se instalaram, removendo algumas das limitações à produção e comercialização agrícolas, incentivando as comunidades a cederem terras à população retornada, e, ainda, apoiando os esforços do ACNUR, no sentido de verificar o bem-estar e segurança dos retornados.
Mais recentemente, uma análise das actividades do ACNUR na Somália concluiu que apesar do difícil ambiente operacional verificado naquele país, os PIR haviam alcançado, pelo menos, dois resultados fundamentais a seu favor: incentivaram o repatriamento de refugiados do Quénia, possibilitando o encerramento de vários campos de refugiados naquele país, e estabilizaram a população residente nalgumas regiões da Somália, prevenindo desta forma futuros movimentos de refugiados. Dada a indisfarçada relutância do Quénia em continuar a acolher refugiados somalis, poderíamos também concluir que os PIR ajudaram a prevenir uma potencial crise de protecção.
Reabilitação em situações de conflito
Apesar de ser claro que os PIR poderão contribuir de forma importante para o processo de reintegração de retornados, não podemos ignorar as suas limitações, nem as dificuldades práticas com que se confrontam.
Os PIR são apenas uma das formas possíveis de apoio à reintegração de retornados. Por exemplo, o auxílio alimentar e pacotes de assistência familiares, tradicionalmente fornecidos aos retornados pelo ACNUR, continuam a ser necessários a pessoas que regressam a casa, após terem vivido anos no estrangeiro, onde não conseguiram acumular quaisquer recursos.
Existem outras formas de apoio à reintegração dos refugiados, que podem ser prestadas antes destes abandonarem o país de asilo. Por exemplo, no Paquistão o ACNUR criou um mecanismo que permite aos refugiados afegãos trocarem os seus cartões familiares de racionamento por dinheiro, que servirá para pagar a viagem de regresso, bem como para adquirir materiais de construção e artigos domésticos de que irão necessitar para se reinstalarem no seu país de origem. Como indica a popularidade deste programa (até Julho de 1995, tinham sido trocados mais de 295.000 cartões de racionamento tinham sido trocados) o tipo específico de assistência, prestado em qualquer situação de retornados, deve ser sempre determinado de acordo com as necessidades e oportunidades locais e, obviamente, de acordo com a disponibilidade de fundos.
Outro assunto que necessita de maior aprofundamento diz respeito ao papel do apoio à reintegração nos casos em que os refugiados regressem a países onde não existe um governo central ou onde o conflito armado ainda se mantém. A recente experiência do ACNUR na Somália, por exemplo, sugere que estas situações poderão criar graves constrangimentos aos esforços de reabilitação.
Em primeiro lugar, poderão facilmente surgir problemas de acesso a regiões afectadas por combates e pelo banditismo. Por exemplo, no sul da Somália, o Programa PIR promovido pelo ACNUR teve que ser gerido a partir do Quénia, devido à insegurança prevalecente do outro lado da fronteira. Em muitas situações, o pessoal do ACNUR concluiu que era demasiado perigoso efectuar avaliações rigorosas das necessidades de reintegração em regiões onde se tinham fixado retornados e, numa ocasião, um grupo de funcionários esteve cercado, dentro de umas instalações, durante quatro dias, enquanto à sua volta decorriam confrontos entre facções armadas rivais.
Em segundo lugar, em situações caracterizadas pela carência e instabilidade, a introdução de novos recursos de desenvolvimento poderá provocar alguma agitação, em vez de promover a reconciliação. Como observava um relatório do ACNUR sobre o programa na Somália, "os PIR transformaram-se em mais um elemento de conflito entre as facções rivais. Apesar da realização de uma conferência de paz, os senhores da guerra não conseguiram estabelecer laços de cooperação. Em resultado, o ACNUR e outras agências são objecto de uma pressão constante das partes em confronto, desejosas de retirarem benefícios pessoais do programa de assistência."
Em terceiro lugar, como sugere o referido relatório, a ausência de qualquer perspectiva de segurança a longo prazo incentivou população somali a maximizar os resultados imediatos que podia retirar do programa de PIR, em vez de encarar os projectos como uma fonte sustentada de benefícios. "A operação do ACNUR", comenta o mesmo relatório, "é geralmente encarada pelos somalis como uma mera forma de obter dinheiro e bens comercializáveis". Num caso exemplar, o ACNUR descobriu que as bombas manuais que haviam sido instaladas, eram desmontadas e vendidas como sucata ou utilizadas para fabricar armas, em vez de servirem para abastecer as populações de água potável!
Em quarto lugar, embora os países doadores estejam muito interessados no repatriamento de populações de refugiados, alguns hesitam, naturalmente, quando chega o momento de financiar programas de reintegração em países afectados por conflitos armados. Em 1993 e 1994, os países doadores estavam preparados para assumir este risco. Por isso, contribuíram com mais de 13 milhões de dólares para o programa de PIR promovido pelo ACNUR. Porém, recentemente, a deterioração da situação na Somália, conjugada com a retirada das tropas das Nações Unidas e com as exigências concorrentes da situação de emergência do Ruanda, levaram a que estes países começassem a questionar se seria sensato investir recursos na Somália.
Não se pretende com isto sugerir que não são possíveis actividades de reconstrução em países afectados por conflitos e pela instabilidade. Por exemplo, no Afeganistão muitos projectos de desenvolvimento de pequena dimensão têm sido bem sucedidos, sobretudo em regiões onde foi alcançado um determinado nível de estabilidade política e social (ver Caixa 4.5). Na verdade, alguns funcionários de agências de ajuda ao desenvolvimento têm defendido que poderá ser mais fácil trabalhar com as populações locais e líderes das comunidades, nos casos em que a estrutura do Estado se tenha desmoronado.
Por outro lado, a ausência de governo não equivale à anarquia. Por exemplo, quando as forças de manutenção da paz das Nações Unidas se retiraram da Somália houve uma previsão generalizada de que os líderes e senhores da guerra locais transformariam o país num enorme campo de batalha. Contudo, em meados de 1995, este cenário não se havia ainda concretizado e as organizações que trabalhavam naquele país informaram que tinha sido iniciado, com sucesso, um conjunto de esforços de restauração da paz.
Rapidez e sustentabilidade
Uma última questão que tem sido levantada em relação aos PIR diz respeito à sua sustentabilidade e ao seu contributo para o processo de desenvolvimento de mais longo prazo das regiões onde os retornados se tenham instalado. Quando o ACNUR introduziu pela primeira vez esta abordagem alguns analistas afirmaram que o conceito era, em si mesmo, contraditório, argumentando que o desenvolvimento é, por definição, um processo demorado e, por isso, não podia ser alcançado nos primeiros um ou dois anos de duração de um programa de reintegração de refugiados promovido pelo ACNUR. O objectivo dos esforços de assistência pós-repatriamento, não deveriam, segundo sugeriam, ter um impacto rápido mas sim um impacto sustentado.
Contudo, para que os PIR alcancem o seu objectivo de consolidar o repatriamento voluntário, são necessárias tanto a rapidez, como a sustentabilidade. O elemento de rapidez é essencial porque não se pode esperar que comunidades carenciadas recebam um grande número de retornados sem que a sua capacidade de absorção seja imediatamente alargada. Simplificando, quando a população de uma região cresce muito rapidamente, também aumenta o nível de procura de serviços, nomeadamente de cuidados de saúde, educação, formação, transportes, bem como a utilização de recursos como a água, solos, sementes e alfaias. Se não for dada resposta a esse aumento da procura, um influxo de retornados pode provocar novas formas de pobreza, tensões sociais e movimentos migratórios.
A sustentabilidade é necessária porque a reintegração de refugiados não pode ser atingida da noite para o dia, nem poderá ser realizada de forma isolada em relação aos esforços, de mais longo prazo, de promoção da reconstrução de países afectados pela guerra. Por exemplo, é relativamente fácil construir uma ponte, uma escola ou limpar alguns terrenos agrícolas numa região onde se tenham instalado retornados. No entanto, é bastante mais difícil assegurar a manutenção dessa ponte, garantir que a escola tenha os professores necessários e as salas de aula sejam equipadas ou que um funcionário local não se aproprie de terrenos.
A tarefa da reintegração de refugiados e pessoas deslocadas constitui, assim, apenas um dos elementos de um esforço, muito mais amplo, de reconstrução de sociedades destruídas pela guerra. Trata-se, obviamente, de uma tarefa complexa que, em muitos aspectos, ultrapassa a competência do ACNUR e de outras organizações humanitárias.
Apenas como exemplo, numa recente reunião internacional sobre o Ruanda, concluiu-se que as necessidades de reabilitação do país incluem a formação de um sistema judicial independente e de uma força policial, o pagamento de salários às forças armadas nacionais, a reconstrução da rede eléctrica do país, a assistência de emergência a pessoas deslocadas internamente e aos refugiados que regressam a casa, o fornecimento de sementes e alfaias agrícolas a comunidades rurais, a compra de equipamento de escritório e veículos automóveis para departamentos governamentais; a resolução de diferendos quanto à titularidade das terras envolvendo retornados, bem como o apoio na regularização das obrigações perante o Banco Mundial. Para serem levadas a cabo de forma eficaz, estas tarefas devem ser prosseguidas, em simultâneo, e com um grau de urgência equivalente.
Até aqui, os esforços da comunidade internacional na área da reconstrução pós-conflito não se têm mostrado inteiramente bem sucedidos. De acordo com um projecto de investigação que analisa a experiência em países como o Camboja, El Salvador, Eritreia e Moçambique,"com demasiada frequência, grandes investimentos financeiros e humanos em processos de restauração da paz têm produzido resultados desanimadores".(1) Embora existam muitas causas diferentes para esta frustração (incluindo talvez algumas expectativas irrealistas, no que diz respeito ao papel da assistência internacional na reconstrução de sociedades destruídas pela guerra e a rapidez com que esta tarefa pode ser prosseguida), podemos identificar um conjunto de problemas comuns.
A recente eclosão de conflitos internos, em várias regiões do mundo, faz com que seja necessário abordar urgentemente estes problemas e formular estratégias mais eficazes para a tarefa da reconstrução pós-guerra.
A reconstrução pós-guerra
A tarefa da reconstrução em situações pós-conflito implica um conjunto de tarefas, pouco usuais e politicamente sensíveis, como a desmobilização, a desmilitarização e a desminagem. Como foi referido anteriormente, no Ruanda, foi largamente reconhecido que o restabelecimento do sistema judicial, a melhoria das condições nos estabelecimentos prisionais e o fornecimento de veículos automóveis e equipamento de escritório a departamentos governamentais constituiam necessidades urgentes, às quais não tem sido dada uma resposta suficientemente rápida, porque os doadores têm relutância em apoiar o governo de um país profundamente dividido e porque estas tarefas não encaixam, de forma clara. no mandato de nenhum organismo das Nações Unidas.
Nestas situações, é obviamente necessário um certo grau de pragmatismo e flexibilidade, como aliás ficou demonstrado quando as forças de manutenção da paz das Nações Unidas no Ruanda decidiram proceder à distribuição de testes, por todos os estudantes do país, tarefa que o Conselho de Segurança, evidentemente, não previra ao autorizar o envio daquela força. Ao mesmo tempo, quando os organismos das Nações Unidas solicitam aos países doadores, a disponibilização de recursos para a reabilitação, é necessário que estabeleçam um conjunto claro de prioridades. A apresentação de "listas de compras das agências", com pouca ou nenhuma indicação sobre as necessidades mais urgentes pode, facilmente, prejudicar a credibilidade de uma acção de angariação de fundos.
Com demasiada frequência, os países doadores e as organizações de ajuda humanitária concentram recursos em actividades de relativo curto prazo. Cessar-fogos e acordos de paz atraem com frequência uma assistência externa considerável, bem como actividades de grande visibilidade, como os programas de repatriamento. Por exemplo, durante a operação de paz das Nações Unidas no Camboja, dezenas de organizações humanitárias, com milhares de dólares à sua disposição, criaram programas na região ocidental do país, onde muitos dos refugiados pretendiam instalar-se. Mas noutras regiões, onde as necessidades económicas e sociais eram igualmente prementes, foram, em grande medida, negligenciadas pela ajuda externa.
Quando, num curto espaço de tempo, grandes quantidades de assistência externa são injectadas em países debilitados, existe a tendência inevitável das estruturas locais serem secundarizadas e prejudicadas. Na pressa de se estabelecerem programas e implementarem projectos as agências internacionais sentem que, muitas vezes, é mais fácil assumirem responsabilidade directa pelos programas, em vez de trabalharem em coordenação com as frágeis instituições locais. Ao mesmo tempo, ao oferecer salários e oportunidades de carreira, muito melhores do que os oferecidos por qualquer organismo nacional, as agências estrangeiras privam, muitas vezes, os departamentos governamentais e empresas locais do seu pessoal mais qualificado. Preocupados em não prejudicar as relações com os países doadores, os governos têm, muitas vezes, dificuldade em resistir a esta tendência. Em resultado, os actores locais, frequentemente, têm pouco ou nenhum peso na decisão sobre a assistência que o país recebe, as actividades a que essa assistência se destina e a forma como é gerida.
Finalmente, reconhece-se actualmente que a reconstrução pós-conflito é uma tarefa multifacetada, que requer uma acção coordenada nas áreas social, económica, política e militar. Mas as instituições financeiras internacionais, que desempenham um papel importante na determinação das políticas económicas dos países com baixos rendimentos e afectados por conflitos, não têm sido suficientemente envolvidas neste processo. Tal como se questiona agora um número, cada vez maior, de analistas conseguirão estes países gerir a tripla transição da guerra para a paz, da ditadura para a democracia e da economia centralizada para uma economia de mercado, sem sofrerem novas formas de conflito social e instabilidade política? Sem uma resposta satisfatória a esta questão existe um perigo real de que os países que lutam por ultrapassar os efeitos da guerra e recomeçar um processo de desenvolvimento se vejam, novamente, apanhados num ciclo de violência, pobreza e movimentos maciços de população.
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P.WEISS FAGEN, 'The challenge of rebuilding war-torn societies: a bibliographic essay', War-torn Societies Project, United Nations Research Institute for Social Development, Geneva, p l.
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