CONTO DA TININHA – Memórias de Angola-
O Sol era vermelho. O mar azul. O Sol continuava vermelho. O mar transformava-se em azul-esverdeado, em amarelo, em prata ensanguentada.A Terra, dessa só se descobriam as silhuetas das palmeiras e dos dongos com o focinho virado para o Mussulo. De que cor eram? Seriam negros com sombras acastanhadas, ou castanho com sombreado negro.
Divisava-se agora um disco alaranjado sobre um fundo azul-roxo. Sim estava ali o símbolo dos “Kamicazi”,o símbolo de guerra quente entre potências, o símbolo de trezentos mil mortos…
Na cidade continuava ou melhor recomeçava o som a que todos estavam habituados: rajadas de metalhadoras, rebentamentos de granadas, morteiros lá longe no Golfe, mais perto da Terra Nova…Sim! E aquele que rebentou na Avenida do Brasil?
- “ Mano, xhé …! A casa foi só no ar, os chapa de zinco foi só parar na rua, bocadinho só…”
- Olha! E ficou alguém morto?
- “Como pode saber? Eles tinha cão galinhas quibiri.Pior é que a gente não sabemos que eles estão na casa…muiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiita carne no chão.Pior é a gente não sabemos… O Juca – aquele branco - o avilo que andava só a rondar a Tinhinha – está mesmo maluco! Ponhou reclame na “emissora oficial” para acharem a Tininha”
Ao som da metralha os tempos foram passando. A Tininha não aparecia! Já não se podia ir à casa dela. Era “zona libertada” dominada pelos Sandokans…
O Juca rebuscava tudo.Escreveu para um parente dela no Lobito..Nada !!! Procurou nas agências de viagem..teria a Tininha ido pró Brasil ou para o Puto ??? Mas Também não… Que fazer? Ir à Senado da Câmara? A casa da Tininha… examinar tudo lá, a ver se encontrava alguma coisa dela… ela usava sempre a bracelete que ele lhe presenteara.É, mas se lha tivessem roubado ?Não fazia mal . ia arriscar. Montou na Yama! Bate o ponteiro do conta quilómetros os cem quando ele atravessa a Avenida dos Combatentes. Parou a mota…fechou-a! Entrou no musseque Marçal…Não fazia mal que levasse um tiro ou que fosse morto lentamente, queimado compontas de cigarro, que lhe arrancassem os testículos, que lhe cuspissem na cara que lhe obrigassem a comer fezes.Que importava… se tivesse encontrado a bracelete dela…estava morta !!!
Mas o Juca vê ao fundo três homens fardados de azul claro esverdeado, com boina preta…são Faplas! E pensou:
- E se a Tininha não estiver morta? E se eu for agora preso pelo Mpla?
Estava nesses pensamentos quando:
- “ Que queres daqui “pula” ?
- Quero ir á casa da Tininha…
- “ E quem é a Tininha? É Bumba?
- Se não é… Já foi…está morta!
- “ Estás a gozar! Espera que eu vou pôr a tua pela ao sol!”
AIH…Eih! O Juca devia estar drogado! Quando o fapla lhe ia assentar uma coronhada, atirou-se de pés, como fazia no futebol, derrubando-o. Este caiu por cima do segundo e o terceiro fapla com a atrapalhação carregou no gatilho ou a sua Simonov de tambor redondo por cima começou a disparar com o movimento, atingindo o primeiro fapla. Juca aproveitou a altura para fugir em zigue zague. E conseguiu …Montou ma Yama! O ponteiro bate os cento e trinta quando ele atravessa a Avenida dos Combatentes. Isto foi o que ele contou a um primo que é meu amigo. Eu confesso que não acredito muito, mas pode ter sido verdade. Com regadela ou não a verdade é que o primo do meu amigo não pôde mais andar em sossego… Arranjou passagem de graça para Portugal, na ponte aérea, chegou lá no fim de setenta e cinco…Mas não encontrou mais a Tininha!
Podia acabar agora esta história dizendo que o Juca era mais um retornado em tratamento no “conde ferreira”(hospital dos alienados mentais) … Ou que está na prisão e aguarda julgamento por roubar um automóvel, ou coisa assim…Podia contar que ele se tinha dedicado ao Tráfico de “liamba” e que foi encontrado mais um retornado “no parque Eduardo VII, com liamba. E se vos informasse antes que o Juca levou uma facada na Rua Escura,ou agrediu alguém e foi morto com um tiro? Ou que se tivesse fechado num dos inúmeros sanitários público, e aí largasse a sua ponta e mola ao coração.Tudo isto era pintar de mais escuro o que já é preto escuro em si mesmo.
Para acabar escolho duas hipoteses. Uma é esta:
Ele encontrou a Tininha no Bairro Alto, quase a entrar no negócio da prostituição da “alta-roda”…Chamou por ela e contou-lhe tudo. E ela naquela sua voz meiga e agarrada ao pescoço contava-lhe que o pai tivera um negócio de diamantes que lhe calhou mal e ficar em Luanda era morte certa…Chegou cá e foi para o Irão.Sua mãe não podia trabalhar era doente e o pai lá do Irão não mandava dinheiro algum, não souberam mais dele…ela bem tentou arranjar um emprego como dactilógrafa. Mas quê? E emprego ? Por isso a vira ele agora ali. E a sessão acabava com mãos dadas e beijos apaixonados…
A outra hipótese é a verdadeira:
Ele não encontrou Tininha alguma e foi trabalhar para uma agro-pecuária de uns outros retornados e quando se lembra da Tininha bebe vinho tinto - do bom.Diz que é o “maluvo” E assim tenta esquecer “diluído nas suas bebedeiras”.
Renato Gomes Pereira – conto escrito em 29 de Janeiro de 1977